Kauan Gracie: A Vida em Movimento
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A brasileira Kauan Gracie carrega mais do um sobrenome emblemático: ela traz consigo um profundo conhecimento sobre o corpo e suas potências, e vem se dedicando a disseminar essa sabedoria.
Para Kauan Gracie, o mundo melhor começa no corpo de cada um de nós. Herdeira de uma tradição que já completa um século, a brasileira aprendeu em casa os princípios poderosos do movimento e do uso do corpo como instrumento de defesa e de luta.
Munida de todas as bênçãos e ensinamentos da lendária família Gracie, ela encontrou um jeito próprio de compartilhar tudo o que sabe e quer ensinar as pessoas a viverem uma vida longa e plena através das potências que habitam cada pessoa.
Vivendo na idílica Nova Zelândia desde 2020 (por acaso ou por atuação certeira do cosmos), Kauan encontrou no país o melhor refúgio para a pandemia. E nesse intervalo de tempo, foi capaz de pôr em prática bem mais do que o senso comum julga possível.
Aqui, ela conta como consegue, simultaneamente e com muita autenticidade, ser e propagar a transformação que deseja para o universo.
FERTTIL: Quando você desembarcou na Nova Zelândia, já tinha um plano? Via potencial de estabelecer ali uma nova base ou esta perspectiva só se abriu depois?
KAUAN GRACIE:
Desembarquei na Nova Zelândia no dia 1 de janeiro de 2020, com a intenção de ficar um mês viajando e conhecendo o país. Nunca havia estado aqui antes e realmente não sabia o que esperar. Inicialmente, eu passaria pela Austrália, mas um amigo me sugeriu que fosse direto para a Nova Zelândia, garantindo que eu iria me surpreender.
Dito e feito: viajei de Oakland, no norte, até Queenstown, na Ilha do Sul, parando em várias cidades pelo caminho e conhecendo diversas pessoas. Tinha programado minha viagem para seguir de Queenstown para a Tanzânia, uma ilha entre a Austrália e a Nova Zelândia. No entanto, ao chegar em Queenstown, fiquei completamente encantada. O país era deslumbrante, com água pura e cristalina por toda parte, um verde vibrante e tudo funcionando perfeitamente.
Decidi então prolongar minha estadia até o fim da validade do meu visto, no começo de abril. Comprei outra passagem, desta vez de Oakland para Melbourne, com partida marcada para o dia 29 de março. No entanto, ao descobrir que um amigo norte-americano estava em Oakland, optei por ficar em sua casa e usar o local como base para explorar outros lugares. Posteriormente, solicitei um novo tipo de visto, o de parceria de trabalho, que possui uma validade mais extensa.
Gosto de fluir com o que está acontecendo na vida e planejo ficar enquanto me sentir bem aqui. Atualmente, moro em uma região de Oakland chamada North Shore. Utilizo um pequeno barco para me deslocar até a cidade, onde o transporte público é excepcional. Já estive em muitos lugares ao redor do mundo, mas sinto uma profunda gratidão pela Nova Zelândia, um país verdadeiramente especial.
FERTTIL: O que você tem aprendido ao viver nesse país que parece ser uma ilha de prosperidade e harmonia em relação ao resto do mundo, e de que forma isso tem mexido com você? Quais são os projetos que espera realizar por aí?
KAUAN GRACIE:
Consegui um trabalho ensinando High Intensity Interval Training Pilates e, desde então, minha jornada tem sido incessante. Não apenas dou aulas desse método, mas também comecei a oferecer workshops sobre temas variados, como longevidade, defesa pessoal para mulheres e movimento.
Minha paixão se estende ao ensino de jiu-jitsu para crianças e adolescentes, além de kickboxing para adultos e aulas de flexionamento, que chamo de "scientific stretching". Adoro manter-me ocupada e fazer a transmissão do conhecimento que possuo. É extremamente gratificante ajudar as pessoas a se descobrirem através do próprio corpo, a conquistar confiança e perceber que podem alcançar tudo o que desejam na vida.
Meu objetivo é semear essa confiança nas pessoas e conhecer o máximo de indivíduos possível. Se estivesse em meu plano de vida, adoraria ter filhos aqui. Acredito que a Nova Zelândia é um lugar excepcional para criar uma família. Tenho convicção de que as coisas acontecem por uma razão. Eu precisava vir para cá e me apaixonar por este país.
FERTTIL: Essas mudanças de rumo que escapam ao nosso controle – como a pandemia – podem ensinar muita coisa e promover transformações poderosas. Como você lidou com os reflexos da COVID-19 e como sua formação pessoal influenciou o seu olhar sobre isso tudo?
KAUAN GRACIE:
Sou muito privilegiada de estar aqui durante a pandemia. A COVID-19 não se disseminou na Nova Zelândia e eu estava em um lugar incrível durante os dois lockdowns que fizemos. Isso me permitiu não sofrer nenhum efeito negativo pessoalmente.
Foi um período de bastante reflexão: aprendi muita coisa aqui sobre as minhas cicatrizes, revi dificuldades e consegui promover uma cura pessoal. Minha experiência com meu namorado tem sido muito boa também, algo muito diferente de qualquer outra relação que eu já tive.
A visão positiva sobre a vida me ajuda em momentos complicados porque eu realmente acredito profundamente que podemos fazer tudo o que desejarmos, que temos capacidade de manifestar tudo o que precisamos. Costumo dizer que nem todo lutador é um artista marcial (martial artist), mas todo artista marcial é um lutador. Eu me sinto uma guerreira.
Sou muito independente, vou atrás do que quero, realizo tudo o que preciso e isso só se potencializou ultimamente. Já vejo as raízes e os frutos do que plantei aqui, vejo as transformações nas pessoas. Eu amo o que faço, estou bem feliz.
Tudo o que a gente passa, vive e aprende nos prepara para outras coisas que virão adiante. Não acredito em sorte, mas no cosmos, na conexão entre as coisas. Minha perspectiva da vida é de alegria e de muita gratidão.
FERTTIL: Sua família atravessa gerações investindo no corpo como nossa estrutura primordial – instrumento de transformação, de luta e de proteção, entre tantas outras potencialidades. Como você, pessoalmente, expressa essa herança quando está lutando e ensinando?
KAUAN GRACIE:
A herança mais evidente para mim é a relação com a alimentação e o conhecimento corporal, que muito poucas pessoas têm. Meu pai, Rickson Gracie, foi realmente um homem que compartilhou muitos ensinamentos e filosofias de vida, formas de ser e pensar.
Aprendi defesa pessoal profundamente, além de adquirir uma base de jiu-jitsu que poucos possuem. Com o tempo, comecei a perceber que essas são características únicas e intrínsecas à minha família. Busco disseminar essa mentalidade das artes marciais, a mentalidade do guerreiro – aquele que é capaz, auxilia o próximo, ama a si mesmo e a todos. Isso se manifesta em minha dança, mas ainda mais em minhas aulas.
Minha personalidade expansiva tem sido uma ferramenta poderosa para auxiliar muitas pessoas. Hoje, compreendo que quando me veem, enxergam toda a trajetória da minha família: meu pai, meu avô, meu irmão. É um desafio separar minha identidade da lenda da família Gracie. Respeito e honro essa ligação, mas busco manter minha autenticidade. Reconheço que muitos veem em mim a imagem da minha linhagem. Se desejo evitar essa associação imediata, evito mencionar meu sobrenome. Entretanto, sou produto dos meus pais, isso está em mim, e sou imensamente grata por isso.
Busco transmitir as lições que aprendi na infância a todos que cruzam meu caminho. Tenho um entendimento tão profundo do corpo que, por vezes, esqueço que muitos não possuem esse mesmo nível de conhecimento sobre sua totalidade – englobando as dimensões física, mental e espiritual. Esse é o meu diferencial e é o que busco compartilhar com os outros.
FERTTIL: Live Long Life é o nome do workshop que você está preparando para a Ferttil. Como você chegou a esta ideia e o que as pessoas podem esperar dessa experiência?
KAUAN GRACIE:
Venho praticando dança e jiu-jitsu há muito tempo. A partir dessas experiências, comecei a conduzir um workshop de movimento, baseado na ideia de que, quanto melhor você souber se movimentar, mais eficaz será em suas atividades. No entanto, senti que havia mais a ser compartilhado, especialmente sobre temas como amor, respiração, flexibilidade e mobilidade. E é neste ponto que abordamos a longevidade.
Desejava uma plataforma onde pudesse compartilhar mais sobre o que considero essencial. Movimento, jiu-jitsu e dança são fundamentais, mas o objetivo principal é manter a saúde ao longo de toda a vida. Vejo o "Live Long Life" como uma discussão contínua sobre saúde e bem-estar. Através dele, busco ensinar as pessoas a respirar, a relaxar e a compreender a importância dessas práticas.
Flexibilidade e movimento conduzem à mobilidade, e a mobilidade, por sua vez, leva à longevidade. Não basta viver muitos anos se você não tem a capacidade de realizar tarefas básicas do dia a dia, como tomar banho ou preparar sua própria comida. Alinhamento, postura e alimentação são cruciais. Há muitas pessoas que, mesmo parecendo saudáveis ou sendo atletas, não sabem respirar ou se alimentar corretamente.
Formatei o primeiro workshop recentemente, e foi quando Igor (fundador da Ferttil) me convidou para desenvolver isso em parceria. Espero aprimorar constantemente este projeto. A abordagem é fluida e aberta, valorizando as trocas de experiências. Afinal, reconheço que não detenho todo o conhecimento.
FERTTIL: A Ferttil nasceu com o propósito de conectar pessoas e práticas que estejam contribuindo para gerar mais vida na Terra. Como você percebe a sua participação neste sentido? Quais são as formas mais naturais de contribuição e troca na sua vida pessoal?
KAUAN GRACIE:
Eu acredito firmemente em uma espiral virtuosa: quando uma pessoa inicia uma atividade física, naturalmente começa a se alimentar melhor. Com uma dieta equilibrada, passa a se sentir mais feliz, a dormir melhor e, consequentemente, desenvolve o desejo de ajudar os outros. Em resumo, quando alguém está bem consigo mesmo, essa positividade se expande para todos ao seu redor.
Minha contribuição se manifesta ao ajudar alguém a adotar hábitos alimentares saudáveis, promover a saúde e buscar a felicidade. Assim, gero mais ciclos de saúde e felicidade que se estendem a outros. Busco uma abordagem natural, pessoal e próxima, algo que, hoje em dia, tornou-se raro. Quero reacender nas pessoas o anseio pela proximidade, pela vontade de ajudar o próximo e fortalecer a confiança e segurança em si mesmas.
O importante é reconhecer que cada indivíduo é único e insubstituível. Como costumo dizer: "Você é o melhor 'você'. Se não abraçar sua essência, no máximo, será a segunda melhor versão de qualquer outro ideal que tente seguir." Devemos valorizar nossas qualidades e compartilhá-las, pois assim, todos ao nosso redor perceberão nossa autenticidade e serão beneficiados por ela.
